terça-feira, 17 de março de 2009

Crise financeira e crise de modelo


Da Agência Carta Maior


Por Ladislau Dowbor


Márcio Pochmann fala em refundação do Estado. Maria da Conceição Tavares nas relações concretas de poder que sustentam o processo decisório. Ignacy Sachs se refere à mudança do paradigma energético-produtivo e do sistema de regulação, planejamento e visão de longo prazo que temos de articular. A crise tem o poder, como foi revelado nas numerosas intervenções no Seminário Internacional sobre o Desenvolvimento, de ampliar o debate, de colocar na mesa problemas que estavam buscando o seu espaço.

Um exemplo do velho modelo: a grande indústria pesqueira está liquidando a vida nos mares, fazendo simplesmente o que uma empresa faz, ou seja, buscando a maximização do lucro. O resultado prático é que o peixe está desaparecendo. Para 2,6 bilhões de pessoas, cerca de 40% da população do planeta, o peixe representa um quinto das suas necessidades protéicas (New Scientist, 14 February 2009, p. 14). É uma tragédia planetária.

As novas tecnologias permitem esta intensidade de exploração, mas o sistema de regulação não acompanhou, e as leis antigas não protegem águas internacionais. O resultado é catastrófico para todos, inclusive as corporações de pesca industrial. Como a crise dos sub-prime que todos viam chegar, não há capacidade de regulação minimamente compatível com o nível dos desafios. Tornamo-nos espectadores dos dramas que criamos.

Um exemplo do novo modelo: o Global Green New Deal das Nações Unidas apresenta como ilustração um programa da Coréia do Sul, que consiste em 36 bilhões de dólares investidos na redução do aquecimento global, ampliando infraestruturas de transporte coletivo, fortalecendo alternativas energéticas e semelhantes, e criando com isto 960 mil novos empregos: é um programa que reduz o desemprego, portanto socialmente útil, mas também reduz as pressões sobre o meio-ambiente, e ao gerar demanda na base da sociedade constitui uma política anti-cíclica. Parte de uma iniciativa planejada e de uma visão de longo prazo.

No planeta, enfrentamos uma dramática insuficiência de financiamento da pesca sustentável em pequena escala, das energias alternativas, da pesquisa de vacinas de malária, tuberculose e AIDS, da recuperação de matas devastadas, da promoção da agricultura familiar e das novas tecnologias agrícolas (IAASTD), até de fogões mais adequados para os 2 bilhões que ainda cozinham com lenha, sem falar do saneamento básico e do acesso à prosaica água e ao pão nosso de cada dia. A realidade, é que o planeta não tem instrumentos minimamente adequados de alocação de recursos segundo as prioridades reais da humanidade.

As Nações Unidas trazem cifras úteis: por exemplo, 300 bilhões de dólares tirariam da miséria a 1 bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia, reduzindo custos de saúde e segurança, aumentando a produtividade escolar e do trabalho. Não se consegue esta medida evidente, para a qual temos recursos, conhecimento e capacidade de organização, mas se coloca trilhões na mão de especuladores financeiros. Neste sentido, é o próprio conceito de alocação produtiva dos recursos, que afinal são constituídos por poupanças do público e não dos intermediários, que se coloca. Ignacy Sachs resume bem: que Estado, para que desenvolvimento?


Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. http://dowbor.org – Contato ladislau@dowbor.org

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