quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A VITÓRIA DO FREVO


Por Urariano Mota


Do Direto da Redação


Recife (PE) - Imaginem uma multidão que de repente enlouquece. Imaginem que essa gente, cada homem, cada mulher, cada menino, todos querem abrir espaço à sua volta, e todos querem isto a um só tempo. Imaginem essa gente estimulada, embriagada de álcool e alegria. Imaginem agora essa gente excitada por uma música que não se ouve só com os ouvidos, porque ela se ouve com os braços, as mãos, a boca, os pés. Imaginem, portanto, uma grande massa em fúria. Raiva, alegria e libertação sob ritmo. Isso é o passo, ao som do Vassourinhas em Pernambuco. A música do frevo para os corações fracos não se recomenda. Essa música é uma promessa das coisas que se podem fazer com o corpo. Mais que promessa, é uma intimação, uma ordem. Se você não é mais de pular, saltar, como este cronista que lhes fala, procure um abrigo de abstração ao ouvir Vassourinhas. O frevo-de-rua, que vem encantado em instrumentos de sopro, de metais, ainda guarda elementos de música de guerra. Nelson Ferreira, que era maestro supremo nesse gênero, dava uma lição bem prática: “Peguem o Hino Nacional. Toquem rápido, mais rápido... isso já é frevo”. Com isso ele queria dizer que o frevo partiu das bandas militares, que evoluíram dos dobrados marciais até Vassourinhas, Último Dia.... - Por que o frevo não se renova? Isso às vezes ouvimos. Vontade dá de responder com outra pergunta:- Por que Dante não se renova? Por que um clássico não se renova? Por que não temos mais A Divina Comédia? Por quê? As obras seminais, que fundam o nosso ser, não se renovam, não se encontram no mercado, não estão à venda. Estão para sempre, para a nossa reconstrução. A sua modernidade é a sua infindável permanência. A sua renovação é o seu dom de ser insubstituível. Mas ainda assim ficamos matutando. Por que o frevo tem que ser somente à maneira e feição de Capiba, Nelson e Levino? Sim, e por que não, como não? É impossível hoje algo como a Evocação número 1, é certo. É absolutamente improvável, absurdo, que se faça de novo Último Dia,.de Levino Ferreira. Mas o frevo acabou? – Não. Todos os dias temos prova que não, em nossos dias, em nosso ser, nos novos intérpretes que vêm, alguns até bem jovens. Esse renovar deve com mais certeza aliar, resolver a tradição no presente. Há caminhos ainda não percorridos, a partir mesmo da tradição. Como pode ser visto aqui, com a orquestra Spok, http://www.youtube.com/watch?v=pcAqcOyYoPM Watch again, incrédulos. Spok vai no caminho das estrelas, na jornada das estrelas. Aquelas antecipações de Felinho ao executar Vassourinhas em 1956, agora são retomadas pela orquestra de Spok, ao improvisar com liberdade sobre a base da história do gênero, livre com liberdade, que sem ela nada se cria nem se transforma. Que dizer, então, em outro ponto, de J. Michiles, autor de muitos sucessos na voz de Alceu Valença? Me segura senão eu caio, Diabo Louro, Roda e Avisa. Que dizer da ação civilizadora de Antonio Nóbrega, que dança, toca, canta e distribui o gênio do frevo em todo o mundo? Como vêem, o mundo continua, a vida segue, apesar da saudade que dá na gente de Nelson Ferreira em todos os carnavais. Que importa? Nós, os senhores encanecidos, com ar respeitável, mas com um espírito de moleque, este sim, imortal, devemos saudar os nossos filhos que pulam nas ladeiras de Olinda:“Olinda, quero cantar a ti esta canção,Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar,Faz vibrar meu coração de amora sonhar, minha Olinda sem igual,Salve o teu Carnaval!”Ouvir e ver esta renovação com os olhos e ouvidos bem abertos, plenos de curiosidade para melhor receber esse presente, é bom. Temos agora a certeza, com algo vivo, que uma cultura não se destrói. Isso é uma felicidade.. Estamos todos bestas, cantarolando com aparência de idiotas, que nunca perdemos, “você diz que ela é bela, ela é bela, sim, senhor. Porém poderia ser mais bela, se ela tivesse meu amor. Bela é toda a natureza, bela é tudo que é belo”. Bela é tudo que é belo. Estamos todos bestas com a vitória do frevo. Tão novo, que nem parece ter mais de 100 anos.

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