quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Coordenador do MST admite "exagero" em mortes


Do Terra Magazine


Marcela Rocha

Especial para Terra Magazine


São Joaquim do Monte, no agreste pernambucano, foi cenário, no último sábado, 21, de um conflito entre seguranças da Fazenda Consulta e integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Não houve desapropriação, como esperavam os manifestantes; a disputa pela terra teve um saldo de 4 homens mortos. Desta vez, os seguranças da fazenda.
Terra Magazine falou com Jaime Amorim, membro da coordenação nacional do MST radicado em Pernambuco. Amorim sustenta que os seguranças mortos no sábado faziam parte de "milícias armadas". O coordenador do movimento na região admite que os sem-terra foram os autores dos disparos, mas alega legítima defesa, apesar do "exagero" das mortes.
- Se os trabalhadores não se defendessem iriam morrer. Muitos já foram mortos por pistoleiros violentos da região, que hoje está aliviada com a morte deles. Não era o que nós queríamos. Houve, de fato, exagero.
Nesta quarta-feira, 25, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes declarou discordar das ocupações enquanto forma de manifestação e insinuou que estariam sendo feitos "financiamentos ilícitos dessas instituições". O coordenador do MST ataca:
- O ministro deveria se envergonhar do que disse.
Amorim explica que discorda do ministro por ele não levar em conta que em São Joaquim do Monte, "o primeiro a extrapolar os limites da legalidade foi o proprietário que mantém, há oito anos, terras consideradas improdutivas pelo Incra".
Sobre o conflito ocorrido no sábado, Jaime afirma que nem o Incra nem o governo estadual ajudaram a evitá-lo. "Muito pelo contrário, colaboraram (para o ocorrido)", critica.

Leia abaixo a entrevista com Jaime Amorim:

Terra Magazine - A única saída era a violência?

Jaime Amorim - O conflito ocorre desde 2002, não foi somente no sábado, 21. Infelizmente nem o Incra, nem o governo estadual colaboraram para evitar o conflito. Muito pelo contrário, colaboraram (para o ocorrido). Se o Incra tivesse desapropriado a terra, nada teria acontecido. Na última quinta-feira, 19, a PM veio fazer reintegração de posse. Aceitamos. Logo em seguida os proprietários contrataram milícias para tomar conta de suas fazendas.


Quais as razões que levaram à morte dos seguranças?

Nada estava planejado. Se os trabalhadores não se defendessem iriam morrer. Muitos já foram mortos por pistoleiros violentos da região, que hoje está aliviada com a morte deles. Não era o que nós queríamos. Houve, de fato, exagero.


O movimento está se armando?

Isto está fora de cogitação. O que fazemos são ocupações e é que faremos o ano inteiro, principalmente em abril. Ocupar terras já foi legitimado enquanto um instrumento de luta há muitos anos. Este é o nosso objetivo: reivindicar o cumprimento da Carta Magna. O que fere a Constituição não é a ocupação, mas o latifúndio improdutivo. Há uma inversão no processo de análise.


O Ouvidor agrário vai a Pernambuco na terça-feira, 3 de março. Quais provas o movimento irá apresentar a ele, à polícia e à justiça para se defender?

O movimento não tem nenhuma razão para se defender. Temos que defender apenas os dois companheiros que estão presos (Aluciano Ferreira dos Santos, 31 anos, e Paulo Cursinho Alves, 62) e vamos fazer isso judicialmente no decorrer do processo. Com o ouvidor agrário, a conversa será outra. Vamos mostrar para ele - mais uma vez - a situação crítica na qual vivemos em São Joaquim do Monte e em Engenho Bonito, que é do grupo João Santos (dono de usinas e comércio), violento, já matou integrantes do Movimento. Talvez, antes do ouvidor chegar, neste final de semana, estoure mais um conflito. A proprietária da Fazenda Nova em Águas Belas contratou 20 pistoleiros que já estão armados na beira do asfalto. Já informamos a polícia e o governo. Mas...


Como avalia as críticas de Gilmar Mendes sobre extrapolar os limites da legalidade nas ocupações?

O ministro deveria se envergonhar do que disse. Aqui em São Joaquim do Monte, o primeiro a extrapolar os limites da legalidade foi o proprietário que mantém, há oito anos, terras consideradas improdutivas pelo INCRA. O governo não consegue desapropriar porque o cartório não emite os documentos, porque o juiz local continua dando integração de posse, mesmo sendo ilegal. O juiz local autorizou o proprietário a subdividir a fazenda enquanto o Incra desapropriava o local. Isto é ilegal. Sim, ocorreu o incidente, mas é importante que o ministro saiba que o proprietário contratou milícias armadas da região para defender propriedades improdutivas. Não estamos na ilegalidade, mas lutando contra ela nos latifúndios improdutivos. O ministro Gilmar Mendes deveria ser o primeiro a cobrar do Governo Federal que cumprisse a lei. Porém, o que ele faz é colocar o trabalhador sem terra na ilegalidade. Ele está equivocado.


Milícias armadas?

Sim, dizem ser um grupo de seguranças, uma empresa. São ilegais. Na verdade, trata-se de um grupo de 40 homens que prestam serviços de seguranças para as fazendas. Eles não têm autorização para portar aquelas armas. A polícia não faz nada e o ministro diz que nós somos os ilegais. Ademais, o próprio proprietário disse ter contratado o grupo, ou seja, um grupo armado não registrado é uma milícia e não uma empresa de segurança.


Acredita que o governo está promovendo a reforma agrária?

O governo apostou na monocultura como uma alternativa para o crescimento. Infelizmente, quase 8 anos depois, não fez aquilo que dizia ser seu sonho. O Lula sempre falava que dois problemas maiores precisavam ser resolvidos: a estrutura agrária injusta e o modelo agrícola que só favorece o grande produtor. Lula termina o governo sem resolver nenhuma das duas coisas, para nossa frustração e espero que para a dele também.


Terra Magazine

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