quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O mercado que escraviza a cultura


Do site Uma Coisa e Outra


Por Celso Japiassu


É da natureza dos jovens querer mudar o mundo, embora o mundo de hoje esteja tão povoado de jovens conservadores. O desejo de explicar a própria existência, a angústia diante da morte e a incapacidade de entender o infinito fez o homem criar as religiões e a elas entregar o seu destino.
O testemunho das injustiças do mundo e o desejo de mudar radicalmente o que lhe parecia imperfeito levaram-no a construir as ideologias e nelas depositar o sonho de transformar as sociedades humanas. A idéia da revolução social, que teve seu impulso definitivo com a Revolução Francesa, conheceu altos e baixos e sofreu versões à direita e à esquerda até ancorar na revolução nazista, de um lado, e na revolução bolchevista, do outro. Ambos projetos fracassados, um pelo delírio expansionista ditatorial hitlerista que desaguou na Segunda Guerra Mundial e o outro implodiu por adotar o mesmo sistema autoritário czarista contra o qual havia lutado e que pretendia substituir pela experiência socialista.
Transformar a sociedade pela ação política foi a idéia que prevaleceu entre os jóvens que nasceram e cresceram no século XX, influenciados pelos filósofos que no século anterior interpretaram a História e a Economia. E também pelo papel político desempenhado pela Igreja Católica depois das conclusões do seu Concílio Vaticano II.
Foram, portanto, teses contraditórias, como Materialismo e Espiritualismo que, apesar de suas grandes diferenças, mobilizaram tantos contingentes humanos, principalmente a juventude, para o engajamento nas idéias que justificavam a necessidade de mudar o mundo. Acreditava-se na inevitabilidade histórica dessa mudança.
A derrocada da União Soviética e a falência do seu modelo socialista abalaram a correlação de forças na política internacional. O triunfo do capitalismo fez renascer o individualismo exacerbado e os jóvens revolucionários dos anos 60 e 70 do século passado transformam-se cada vez mais em velhos conservadores e reacionários. Houve também o chamado Consenso de Washington, construido em 1989 com o receituario neo-liberal posto em prática inicialmente no Chile de Pinochet pelos Chicago Boys e, posteriormente, por Margareth Thatcher, na Inglaterra, de onde se espalhou pelo mundo com características ideológicas que justificariam o reinado absoluto do mercado.
O mercado, esta entidade virtual que passou a ser a única referência aceitável das transações capitalistas. O desenvolvimento da tecnologia e das comunicações, que permitiu a mundialização das atividades econômicas, ampliou universalmente o conceito de mercado e de consumo. Os produtos são mais valorizados quanto mais massificados. Prevalecem aqueles que são capazes de inspirar maior desejo de posse no consumidor.
A indústria cultural, como não poderia deixar de ser, reflete essas mudanças na discussão das idéias, a ponto de a televisão comercial ter passado a representar o papel de mais importante veículo das culturas nacionais.
A transformação da cultura em mercadoria esmaga as manifestações populares em benefício do mercado, que paga por aquilo que é bom dentro dos seus próprios conceitos de valor mercantil. Desprestigiado e desmotivado, o artista popular desaparece.
A principal característica de um produto dirigido pelo mercado - sua capacidade de massificar-se e adquirir valor econômico – inibe a criatividade e o experimentalismo das manifestações culturais autênticas. E permite que surjam as falsas vanguardas que invadiram, por exemplo, o universo das artes plásticas.

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