terça-feira, 27 de outubro de 2009

CUBA/ESPECIAL: 72 horas em Havana, 50 anos depois

Do Balaio do Kotscho

LA HABANA, CUBA _ Elas vão e voltam em seu passeio noturno, caminhando devagar e proseando pela rua. Com suas roupas coloridas, chamam a atenção dos turistas, mas parecem flanar em outro mundo, um mundo só delas. São duas senhoras mais ou menos sexagenárias, negras robustas como os enormes charutos de quase meio metro que fumam com prazer. Parecem felizes.
Quase nove da noite de sexta-feira, nossa última em Havana antes da viagem de volta, ainda se sente um calor gostoso, a brisa morna soprando do mar do Caribe. Cada um do nosso grupo de amigos foi para um lado diferente e agora caminho só com minha mulher, a Mara, pelas ruas estreitas e precariamente iluminadas do velho centro de Havana (o país vive mais um racionamento de energia), que foi declarado Patrimonio da Humanidade pela Unesco, e está sendo totalmente restaurado. Mal comparando, aqui é uma espécie de Pelourinho ou Ouro Preto deles.
Boa hora para entrar num bar e tomar um mojito, a bebida típica feita de rum, suco de limão, açucar, água gasosa e ramos de hortelã (pelo tanto que consomem, devem ser grandes as plantações da “hierba buena”, como a chamam por aqui), ouvindo ao vivo um conjunto de música caribenha, claro.
Passamos a tarde percorrendo cada viela, beco e praça, entrando nos prédios históricos _ tudo por aqui tem muita história _ em companhia de Euzébio Leal, 64 anos, historiador, arqueólogo e arquiteto “honoris causa” pela Universidade de Urbanismo de Ferrara, na Itália, a mais antiga do mundo.
Não poderíamos ter arrumado um guia melhor _ para não apenas ver, mas também conhecer e entender o que se passou por aqui, desde as longas e variadas lutas do povo cubano pela independência. Euzébio é uma espécie de “prefeito” desta parte de Havana, apaixonado pelo seu trabalho.
Quando lhe perguntei desde que idade se dedica a este ofício, responde com um sorriso: “Desde a vida toda…”. Mais exatamente, desde 1967, quando iniciou a restauração do antigo Palácio do Governo. A partir de 1993, com a criação da Oficina Del Historiador de La Ciudad, um orgão autônomo não estatal que ele comanda à frente de 10 mil colaboradores, entre eles 200 arquitetos, Eusébio Leal é uma espécie de prefeito plenipotenciário da La Habana Vieja.
Além das antigas moradias, ele já restaurou e administra 16 hotéis e mais de 70 comércios, entre lojas, bares e restaurantes, preocupado não só em resgatar o passado, mas em cuidar da rede de proteção social criada para os 74 mil habitantes espalhados por seus 4,9 quilômetros quadrados.
Outras 102 obras de restauração estão em curso e 40 delas devem ser entregues até o final do ano. O mais impressionante de tudo é uma monumental maquete montada com todas as edificações e vias da antiga cidade, que levou seis anos para ser concluída e onde cada um pode localizar o local onde morou.
É uma figura, este Euzébio, que parece conhecer pessoalmente cada morador da sua jurisdição como os velhos párocos do nosso interior. Ao passar pelas ruas _ algumas ainda calçadas com tacos de madeira _, é parado a todo momento por moradores que querem lhe contar alguma coisa, tirar uma foto, agradecer algum benefício recebido.
As duas senhoras charuteiras e o historiador Euzébio, além da sensação de segurança e tranquilidade que me deu andar por suas ruas, foram as imagens que mais me marcaram nesta viagem, a sexta ou sétima que faço à ilha, nem me lembro mais quantas foram.
Mas acho melhor contar como foi desde a chegada esta viagem de apenas 72 horas, no ano em que a Revolução Cubana comemorou 50 anos. Bastou contar aqui na semana passada que eu iria fazer esta viagem, justificando minha ausência por alguns dias no Balaio, para que os leitores já se dividessem entre os que defendem e os que condenam radicalmente o regime cubano, dando início ao Fla-Flu ideológico que até hoje provoca reações de amor e ódio em todo o mundo.
A uns e outros já deixo claro que não fui lá para trabalhar, mas apenas passear a convite de amigos. De qualquer forma, seria leviano fazer qualquer julgamento ou previsão sobre um país em tão curto espaço de tempo. Vou relatar apenas o que vi e ouvi. Cada um que tire suas próprias conclusões. Na verdade, para entender melhor Cuba, nada melhor do que ir lá e ver com seus próprios olhos para tirar suas próprias conclusões.

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