terça-feira, 27 de outubro de 2009

A chegada a Cuba

Do Balaio do Kotscho

Hotel Nacional e La Floridita

Para chegar a Havana, não há mais vôos diretos do Brasil. Pela Copa Airlanes, uma empresa panamenha controlada pela americana Continental, dá um total de nove horas de vôo, com uma conexão em Panamá City. Em 1981, quando viajei para lá pela primeira vez, era bem mais complicado. O Brasil ainda não mantinha relações diplomáticas com Cuba. Viagens para a ilha eram oficialmente proibidas, como estava expresso no nosso passaporte.
Por isso, daquela tivemos que ir primeiro a Lima, no Peru, para pegar um visto avulso na embaixada cubana e só chegamos a Havana dois dias depois. Mudou o Brasil, mudaram Cuba e o mundo e, desta vez, encontrei muitos turistas brasileiros por lá, misturados a outros milhares do mundo todo, um cenário bem diferente de quase três décadas atrás.
Meio século após a revolução liderada por Fidel Castro, o turismo voltou a ser a maior fonte de receita de Cuba, depois que o preço do níquel, seu principal produto de exportação, caiu no mercado mundial. Percebe-se isso logo na chegada ao novo aeroporto Jose Marti, enfeitado com as bandeiras de quase todos os países do mundo, agora com um movimento muito maior de aviões e passageiros.
Na meia hora de viagem até o Hotel Nacional, trafegando numa moderna van por avenidas largas, limpas e bem arborizadas, sem congestionamentos ou motoristas estressados, nota-se que o antigo e o moderno agora convivem lado a lado como em qualquer cidade turística que tem na sua história o principal chamariz.
Os velhos “guaguas” caindo aos pedaços, foram substituídos por ônibus novos. Há cada vez menos carrões americanos pré-revolucionários e os soviéticos Ladas, dando espaço para carros contemporâneos de todas as marcas e procedências. Tem até táxi Mercedes.
A grande diferença em relação às paisagens que conhecemos está nos cartazes de propaganda, que se mantém imutáveis: em lugar de produtos de consumo, apenas anúncios de apelos patrióticos, denúncias contra o bloqueio americano e homenagens aos revolucionários. Além destas palavras de ordem, monumentos, palácios e estátuas espalhados por toda parte lembram a todo momento que estamos em Cuba e revivem os acontecimentos históricos de 50 anos atrás.
Fora isso, a vida segue normalmente, sem sobressaltos, veículos militares nas ruas, homens armados, nada que lembre um país em revolução permanente por tanto tempo. Também não se vê menores abandonados, famílias debaixo de pontes, sinais de pobreza extrema.
Uma boa surpresa foi encontrar completamente restaurado o Hotel Nacional, que recentemente completou 80 anos. Me fez lembrar o nosso Copacabana Palace, por sua imponência e amplitude das instalações à beira mar, o luxo antigo na decoração e a quantidade de bares e restaurantes para os hóspedes.
Em relação às viagens anteriores, o serviço e a oferta de produtos melhoraram consideravelmente, outro sinal da importância que se voltou a dar ao turismo. Em lugar de burocratas estatais formados na rigidez soviética, agora o atendimento na área de serviços é mais gentil, às vezes até bem humorado, sem ser subserviente.
Tem certos programas que não são nada originais, mas quase obrigatórios, onde dá vontade de voltar sempre que se vai a uma cidade. É o caso do La Floridita, mais conhecido como o “bar do do Hemingway”, o grande escritor americano que viveu seis anos em Cuba e lá escreveu parte de sua obra, além de ter inspirado o daiquiri, um aperitivo também preparado com rum, limão, açucar e gelo picado.
Fomos lá logo na primeira noite. Continua tudo igual, mas melhor servido, embora sempre lotado, com conjuntos musicais se revezando a noite toda para a festa dos turistas. Caminha-se pelas ruas até tarde da noite como em Buenos Aires. Grandes grupos de jovens e de turistas na mesma hora lotam o calçadão junto à amurada do Malecon, onde o mar bate com força e às vezes molha todo mundo.
Vale a pena também visitar a feira de artesanato, com roupas e objetos típicos, os antiquários, os muitos sebos espalhados pela cidade e a fábrica dos famosos charutos Cohiba, onde se pode acompanhar todo o processo de produção artesanal. Como ninguém é de ferro, sempre é bom reservar uma parte do dia para ir à praia. Se o tempo disponível é pouco, melhor ir a Santa Maria, que fica a apenas 27 quilômetros de Havana, tem quiosques de comes e bebes na areia e um maravilhoso mar de águas limpas e tépidas, mescladas de azul e verde.

Alarcon,Acosta,Morais

Tão importante quanto voltar aos lugares que conhecemos e gostamos é reencontrar os amigos para saber como andam as coisas.
Foi o que aonteceu num longo jantar no El Templete, bem em frente ao porto de Havana, encimado por uma grande imagem do Sagrado Coração de Jesus, onde encontramos os amigos Ricardo Alarcón de Quesada, presidente da Assembléia Nacional do Poder Popular (o Congresso Nacional deles), 67 anos, hoje o segundo homem na hierarquia do poder, e Homero Acosta, 45 anos, Secretário do Conselho de Estado, espécie de Gilberto Carvalho de Raul Castro, um advogado apaixonado por música popular brasileira.
No meio do jantar, ainda apareceu nosso velho amigo Fernando Morais, autor de “A Ilha”, que está em Havana fazendo pesquisas para um livro sobre os cinco cubanos presos nos Estados Unidos desde 1998, acusados de espionagem pela Justiça americana, dois deles condenados a duas prisões perpétuas (teriam que nascer de novo para cumprí-las).
Cada vez que vou a Cuba, encontro situações diferentes, sempre carregadas de dificuldades mais ou menos permanentes e muitas esperanças no futuro. As maiores dificuldades continuam localizadas nas áreas de energia (80% do petróleo vem da Venezuela), habitação e abastecimento (80% dos alimentos são importados), agravadas pelos três furacões que varreram a ilha em setembro do ano passado, causaram prejuízos de 10 bilhões de dólares e destruíram dezenas de milhares de moradias.
E o futuro? Quando pergunto a Alarcon, um advogado de 67 anos, de fala mansa e didática, fisicamente parecido com dom Pedro Casaldáliga, como imagina a vida dele e a de Cuba daqui a dez anos, ele abre os braços e um sorriso, como quem diz: “Se eu soubesse…”.
Apesar da abertura muito lenta, gradual e segura que se opera hoje em Cuba, como foi no Brasil de Geisel no período final do regime militar, dá para notar que os controles internos já não são tão rígidos, mas ninguém pode imaginar como será a vida em Cuba no período pós-Castro (Fidel, com 83, está doente e fora de combate há dois anos, e seu irmão e sucessor Raul já completou 78) e, principalmente, após o fim do bloqueio americano.
Em Cuba, todos sentem que estão vivendo o final de uma era, sabem que algo está para mudar, mas ninguém arrisca prever o que virá depois, nem quando isso acontecerá. Uma coisa é certa: os cubanos, quem diria, botam muita fé no presidente americano Barack Obama e sabem que até o final do seu governo o bloqueio deverá ser levantado. É apenas uma questão de tempo, de paciência.
Obama tem muitos problemas para resolver ao mesmo tempo no mundo inteiro, sem falar nos seus embates internos. “Para nós, os Estados Unidos sempre tiveram uma grande importância, mas para os Estados Unidos sei que nós representamos hoje uma questão menor, menos urgente”, conforma-se Alarcon, que sempre procura situar as mudanças em seu país no contexto das profundas modificações que podem acontecer no mundo nos próximos anos.
Por tudo isso, os cubanos temem pela segurança de Obama _ na visão deles, hoje mais ameaçada do que já foi a do próprio Fidel Castro. Ao mesmo tempo, sabem que o levantamento do embargo/bloqueio não representaráo fim de um dia para outro todos os problemas sociais e econômicos enfrentados pelos cubanos hoje.
Ao contrário, pode ser apenas o começo de outros problemas. No dia em que os norte-americanos puderem todos viajar livremente para Cuba _ hoje é proibido por lei nos Estados Unidos, a não ser em casos excepcionais _ como a pequena ilha suportará a invasão de turistas?
Por quanto tempo resistirão a restaurada Habana Vieja de Euzébio Leal, a limpeza das águas do Caribe, a convivência serena entre nativos e forasteiros tomando a fresca no Malecon? E, na direção inversa, quantos jovens cubanos poderão optar por viver nos Estados Unidos ou em qualquer outro país e não mais voltar?
Em tempo:
No sábado, dia 24, Frei Betto foi recebido para almoço por Raul Castro. Falaram dos impasses da Revolução Cubana, como a existência de duas moedas e os subsídios estatais à alimentação.Raul Castro revelou que o governo pensa em aumentar os salários e reduzir tais subsídios, pois muitas famílias recebem cesta básica mensal sem dela necessitarem.
No final da tarde do mesmo dia, Fidel Castro recebeu Frei Betto em sua residência, uma casa de dois andares, em estilo californiano dos anos 50. Segundo Betto, conversaram sobre “os governos democrático-populares da América Latina, a importância dos meios de comunicação na formação cidadã das novas gerações e a questão da ética do poder”, tema do seu livro “A Mosca Azul”.

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