segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O crack denuncia uma sociedade falida


Do Mundo Jovem


Manoel Soares,

jornalista e integrante da Central Única das Favelas (CUFA).


Mundo Jovem: O consumo cada vez maior de crack é sintoma de que alguma coisa está errada?


Manoel Soares: O crack se tornou o calcanhar de Aquiles de uma sociedade falida; uma sociedade que prega o consumo, o prazer, desvaloriza o que é o ser humano na sua mais pura essência. Ela ensinou às pessoas de uma geração que elas não tinham a menor possibilidade de alcançar a transcendência, porque a transcendência era ter. E essas pessoas não tinham. O que elas tinham era pouco e aí lhes surgiu ao alcance das mãos, pelo valor de cinco reais, uma substância que libera do cérebro muita serotonina. É uma combustão inevitável. Essa droga coloca à prova nossas bases sociais. Faz o pai se perguntar: como é que estou tratando o meu filho? A mãe se pergunta: até onde eu estou sendo parceira da minha filha? Porque o crack gera um prazer infinitamente maior do que o corpo humano seria capaz de suportar. Em algumas situações, é mais forte do que o amor que o indivíduo sente pela própria mãe. Daí você pode calcular mais ou menos o que é a força do crack.


Mundo Jovem: E é consumido por todas as classes?


Manoel Soares: Todo mundo que tiver um buraco no coração está vulnerável ao crack. Na classe média, você tem um bando de playboys, depressivos, que ficam trancados dentro de casa porque o pai quer fazer manutenção de sua riqueza ao invés de dar atenção pro filho. Mas por que este jovem vai fumar crack e não vai usar outras drogas? Por uma questão simples: o crack tira o risco da infecção causada pela heroína e é bem mais forte do que a cocaína. Ele produz um prazer momentâneo muito forte, um prazer muito intenso, e o jovem enlouquece.


Mundo Jovem: Podemos dizer que o crack se tornou uma epidemia?


Manoel Soares: O crack é uma arma química de distribuição em massa. Aqui no Brasil, hoje, mata como a AIDS matou na África. O crack é uma pandemia. É de longe pior que a febre amarela, a dengue ou a gripe do “porquinho”.


Mundo Jovem: E gera muito sofrimento?


Manoel Soares: Um cara, quando usa crack, se ele mora numa família de seis pessoas, ele fragiliza os mais jovens, manipula os mais velhos, rouba... Ele faz isso por toda a organização em que está envolvido. A característica forte do cara que consome droga é que ele faz com que todo o amor que qualquer pessoa sinta por ele seja usado a favor do seu vício.

Eu não sou a favor de ficar demonizando o usuário do crack, fazendo dele uma pessoa derrotada, canalha na sociedade. Mas eu acho que a sociedade tem sido injusta para com aqueles que não consomem crack.

Uma mãe, por exemplo, com seis filhos, quando tem um que consome crack, ela presta mais atenção naquele filho que consome do que nos outros cinco que não consomem. Os outros cinco podem não consumir o crack, mas eles migram para outros problemas que vão prejudicá-los. Então acho que a sociedade precisa ser mais madura para essa realidade e começar a falar da prevenção, fundamental e necessária. Sem prevenção, a gente vai para a cova.

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