terça-feira, 17 de novembro de 2009

Brasil: E Lula acabou com a oposição

Do El País

El País – Madri
Brasil – Produziu-se na política brasileira um fenômeno único na América Latina, e talvez no mundo: o carismático presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu Executivo, que gozam de um índice de 84% de popularidade após seis anos de governo, acabaram com a oposição. E não o fizeram com métodos antidemocráticos, mas apropriando-se de suas bandeiras.
Já se sabia que Lula era um gênio político e que soube vencer as reticências no seio de seu próprio partido, o Partido dos Trabalhadores; de fato, dispõe-se a eleger uma mulher, a ministra Dilma Roussef, como sua sucessora nas eleições à presidência de 2010, apesar de nunca ter disputado cargos eletivos e de não ser uma figura bem vista aos olhos do PT. Mas ninguém jamais imaginou que ele seria capaz de eliminar democraticamente a oposição, tanto a de direita quanto a de esquerda.
Como conseguiu? Com uma política que, pouco a pouco, foi encurralando seus opositores. Cortou as asas da direita através de uma política macroeconômica neoliberal que está lhe proporcionando bons resultados nestes tempos de crise financeira mundial, graças às reservas acumuladas.
Ao mesmo tempo, tem limitado as pretensões dos movimentos sociais mais radicais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cujas ações o governo tem criticado, rotulado-as de ilegais e forçando-o a obedecer e respeitar a lei vigente. Além disso, manteve uma política ambiental bastante conservadora, o que agrada aos proprietários de terras e aos grandes exportadores, que formam o núcleo mais direitista do parlamento.
Também freou as esquerdas. Conseguiu silenciar a esquerda minoritária com uma política voltada às classes mais pobres do país, o que fez com que seis milhões de famílias passassem à classe média baixa e abandonassem seu estado de miséria de longa data. Disponibilizou crédito aos pobres que, agora, podem abrir uma conta no banco [gratuitamente, no Banco do Brasil] e ter um cartão de crédito [único meio de movimentação deste tipo especial de conta], o que os converte em participantes da roda da economia nacional.
Também tornou as coisas difíceis para a esquerda moderada. Hoje em dia, para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), grupo opositor com maiores possibilidades de ganhar as próximas eleições por contar com dois grandes candidatos (o governador de São Paulo, José Serra, e o de Minas Gerais, Aécio Neves), fazer oposição está mais difícil que antes. Os dois aspirantes do PSDB sabem que não poderão se eleger contra Lula. Por isso, só falam, como Neves acaba de fazer, de uma era “pós-Lula”, com um projeto de nação que contribua com algo novo ao projeto do presidente, que já goza da aprovação da grande maioria do país. Desde o primeiro dia de seu mandato, Lula manteve Henrique Meirelles, do PSDB, como presidente do Banco Central. E conservou e ampliou o projeto social Bolsa Escola, criado pelo PSDB, batizando-lhe de Bolsa Família. Este plano ajuda hoje 12 milhões de famílias, e nenhum partido de oposição se atreveria a criticá-lo.
Desde seu primeiro mandato, Lula não só soube reunir as contribuições de 12 partidos ao seu governo, mas também conseguiu manter até agora uma amizade pessoal com os candidatos opositores Serra e Neves; ambos, além disso, desfrutam de boas relações com o PT, e inclusive não descartam a possibilidade de governar junto ao partido de Lula caso cheguem ao poder.
Mas realmente não há espaço para a oposição no Brasil? Porque se for assim, há quem considere isso um grave obstáculo para uma autêntica democracia. Ela pode existir, segundo vários analistas políticos como Merval Pereira, mas o problema está no fato de que a oposição se assustou com a popularidade de Lula. Inclusive há políticos de oposição, sobretudo dos governos locais, que buscam uma foto junto a Lula para ganhar pontos com seu eleitorado.
Se a oposição quisesse, dizem os especialistas, poderia exigir de Lula que levasse a cabo as grandes reformas que este país ainda necessita para decolar mundialmente, como a reforma política (é possível governar com 30 partidos no parlamento?), a fiscal (o Brasil é um dos países com maior carga tributária do mundo: beirando os 40%), a da Previdência Social (Lula só a realizou em parte e, apesar de um escândalo de subornos para que deputados votassem a favor da reforma, permaneceu pequena), a agrária (não saiu do papel), a da educação (no Brasil o ensino secundário ainda não é obrigatório e a qualidade deste é uma das piores do mundo) e, por último, a penitenciária (os suicídios entre os presos aumentaram 40% ano passado).
Mas tudo isso se choca contra o muro da dialética política de Lula: seu carisma acaba neutralizando inclusive aqueles que outrora foram seus maiores antagonistas.

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