sexta-feira, 15 de maio de 2009

Qual o futuro do "sonho americano"?

Da Agência Carta Maior

O que você promete a um povo a quem foi dito que poderia fazer o que quisesse, que foi repetidas vezes congratulado por viver na melhor de todas as circunstâncias possíveis? Como dizer agora que “os bons tempos” não voltarão? Os estadunidenses precisam de uma nova visão que os ajude a lidar com a realidade, uma história promissora do futuro que os ajude a superar o passado. O que é preciso na vida do povo dos Estados Unidos é uma redefinição dos conceitos de “vida, liberdade e busca da felicidade”. A análise é do jornalista político William Greider.

William Greider - The Nation

Como entendeu Franklin Roosevelt, os estadunidenses adiarão benefícios imediatos e experimentarão sacrifícios pesados – se conseguirem – à medida que forem convencidos de que o futuro pode ser melhor que o passado. Nós estamos, porém, frente a um problema muitíssimo mais difícil em nosso momento na história. O que você promete a um povo a quem foi dito que poderia fazer o que quisesse, que foi repetidas vezes congratulado por viver na melhor de todas as circunstâncias possíveis? Como dizer agora que “os bons tempos”, assim como os conhecemos, não voltarão? Os estadunidenses precisam de uma nova visão que os ajude a lidar com a realidade, uma história promissora do futuro que os ajude a superar o passado. Eis aqui uma grande visão que eu sugiro os americanos podem perseguir: o direito de todos os cidadãos a vidas engrandecidas. Não a ficar mais rico do que o próximo ou acumular necessariamente mais e mais porcarias, mas o direito a viver a vida plenamente e a se engajar expansivamente nas possibilidades elementares da existência humana. Essa é a essência do que muitos, agora, parecem almejar em suas vidas. As pessoas – mesmo as bem sucedidas e afluentes – estão frustradas por causa das dimensões intangíveis que a vida assumiu ou deslocou, em grande ou pequena escala, pressionada pelas exigências implacáveis do sistema econômico de maximizar a produção de lucros e de riqueza. Nossas verdades morais comuns têm sido destruídas em nome de grandes recompensas. Os aspectos mais leves da experiência mortal estão diminuídos porque a própria vida não está tabulada na contabilidade do sistema econômico. A ordem política aceita erroneamente essas concessões de limitação da vida como normal, como necessária para alcançar os “bons tempos”. Nos primeiros períodos de nossa história, os sacrifícios exigidos pela máquina capitalista dos Estados Unidos foram largamente tolerados porque a nação era jovem e subdesenvolvida. A máquina prometeu gerar níveis mais elevados de abundância, e o fez. Mas, agora, qual é a justificativa, quando a nação já está rica o suficiente e a máquina continua exigindo pedaços maiores de nossas vidas?Famílias perderam a dignidade de dirigir suas vidasO que as famílias, mesmo aquelas prósperas, tipicamente perdem na troca são os pequenos aspectos da graça da vida cotidiana, como o ritual de ter um jantar em família com todos presentes. A coisa mais substancial que sacrificamos é o tempo de experienciarmos as alegrias e mistérios da alimentação das crianças, os pequenos prazeres da curiosidade ociosa, de aprender a fazer as coisas com as próprias mãos e a satisfações da amizade e da cooperação social. Essas coisas foram feitas para parecerem corolários triviais da acumulação de riqueza, mas muita gente sabe que tiveram de desistir de algo mais importante e lamentam a perda. Alguns decidem retomar isso mais tarde na vida, depois de estabilizados financeiramente. Outros ainda sonham em cair fora do sistema. Se pudéssemos de alguma maneira somar todas as dores e perdas privadas causas pela busca da prosperidade material ilimitada, o resultado pode vir a parecer o maior lamento de nosso tempo. Mais importante do que todas as outras perdas é que as pessoas também estão denegando outra grande, inatingível: a dignidade de dirigir as suas próprias vidas. No trabalho, em casa e na esfera pública, a maior parte das pessoas perdem o direito de exercitar muito de suas vozes nas decisões cotidianas da administração de suas vidas. Muitas pessoas (não todas) estão sujeitas a um sistema de comando e de controle sobre os seus destinos. Elas conhecem os riscos de ignorar as ordens que vêm de cima.Não surpreendentemente, muitos cidadãos estão resignados a essa condição e aceitam a subserviência como “é assim que as coisas são” e, como resultado, suas vidas se tornam menores. Muitos acham difícil imaginar que esses confinamentos poderiam ser reduzidos, e até substancialmente removidos, se as organizações econômicas fossem informadas por princípios democráticos. Vida, liberdade e busca da felicidadeO que é preciso na vida do povo dos Estados Unidos é uma redefinição dos conceitos de “vida, liberdade e busca da felicidade”. Dada a imensa riqueza da nação, as antigas ameaças de escassez e privações foram eliminadas. E ainda assim as pessoas permanecem sob o jugo das exigências econômicas, a despeito de quererem algo mais da vida – liberdade para explorar os mistérios e todas as coisas que eles trazem consigo. Coletivamente, os estadunidenses precisam respirar fundo e reconsiderar o que significa ser rico. O desafio, como John Maynard Keynes escreveu há muito, é como “viver com sabedoria, concórdia e bem-estar” quando o desespero e a privação não dirigem mais as condições de nossa existência. Como previu o economista britânico, os velhos problemas econômicos da escassez e da sobrevivência foram resolvidos, ao menos nas nações desenvolvidas. As pessoas deveriam afastar seus medos, sugeriu Keynes, e aprender a aproveitar a vida. Livres da escassez e das preocupações, enfrentamos um novo desafio: descobrir o que significa ser verdadeiramente humano.

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