quinta-feira, 19 de abril de 2012

SÓ SAUDADE DA BOA

Por Gustavo Bezerra

“Já faz três noites, que pro Norte relampeia,
A Asa Branca, ouvindo o ronco do trovão,
Já bateu asas, e voltou pro meu sertão,
Ai, ai, eu vou embora, vou cuidar da plantação”.

Toda vez que começa a relampear, me lembro do trecho acima, da Volta da Asa Branca. E essa lembrança me faz sentir um verdadeiro retirante nordestino, tamanha saudade dos tempos de criança neste agreste danado de bom.

Quando a chuva começa a cair em solo nordestino, principalmente pelas bandas do agreste e sertão, um cheiro de saudade toma conta da lembrança do lado sertanejo que cada caboclo tem nestas duas regiões. O cheiro da chuva enfeitiça as lembranças e os corações e como diria o poeta: é só saudade da boa.
É saudade da fazenda sonhada por meu tio Adilson Bezerra que tão pouco curtiu esse sonho. Dos tempos de criança, onde na inocência infantil, nos sentíamos verdadeiros desbravadores, valentes caçadores, com baleadeiras, tudo incentivado pelo meu tio; saudade do feitiço das criações onde a raiva sempre tomava conta por não poder também cortar palmas para o gado, aliás, como era bom ouvir meu avô, Raimundo do Brejo, chamar o nome das suas vacas, entoando em forma de aboios. Tomar água nos poços de pedra e depois de dois ou três dias de chuva beber a água dos pequenos córregos, o banho no açude.
Sempre levando em mente a alegria de viver e da alegria de viver em família, momentos que tio Adilson sempre imortalizou para todos que conviveram com ele, a sua partida abalou uma imensa atmosfera de alegria que sempre girava em torno dele. Tocamos o barco pra frente, aliás, tocamos a fazenda, os sonhos e a alegria de viver. Afinal de contas, tivemos um professor brilhante, que amava a vida.
Alegria de viver que víamos na face e nos olhos de Raimundo do Brejo, vovô Raimundo, quando a Fazenda Amarela recebia os primeiros pingos de chuva. O homem de aparência rude se transformava, como todo sertanejo, a vegetação e toda a natureza, numa explosão de vida. Não deixava a idade interferir nas tarefas do homem do campo. Em gratos momentos que presenciei, como era bonito ver meu avô no final do dia sentado na varanda da casa velha conversando com o caseiro e satisfeito com aquele pedaço de terra que começara com as primeiras chuvas a exalar vida para tudo que é lado.
Neste cenário de alegria e vida, passamos – primos, irmãos, tios, tias, amigos, toda a família – nossa infância e juventude. Com a juventude brotando e brotando também a responsabilidade de seguir com a alegria que sempre a Fazenda Amarela nos proporcionou, decidimos com o consentimento de toda a família e cinco amigos irmãos criarmos o São João Adilson Bezerra. Tivemos a alegria de termos por cinco ou seis anos a presença em vida do meu avô nos ajudando no São João Adilson Bezerra. Embora ele se sentisse incomodado, pois achava que queríamos mandar mais do que ele, no fundo era uma satisfação pra ele ver toda a família reunida e feliz. Nestes cinco ou seis anos comandou as belas fogueiras que só ele acendia – como ele gostava de fogo – que só apagavam pela manhã, comandava o corte e a moagem do milho para as pamonhas e canjicas. Curtiu seus netos e “sua fazenda”.
Dentro do processo natural, seu Raimundo nos deixou, deixou a Fazenda Amarela. Logo, rebatizamos a Fazenda Amarela para Fazenda Raimundo do Brejo. Embora nos fizessem falta, tínhamos a honra e a alegria de termos a Fazenda Raimundo do Brejo e o São João Adilson Bezerra, o melhor São João do mundo. Por mais alguns anos a Fazenda Raimundo do Brejo teve a alegria de receber familiares e amigos para o São João Adilson Bezerra.
Todo esse processo foi um sonho, um sonho real que marcou as mentes e os corações da nossa família e dos amigos que lá freqüentaram esses momentos mágicos. Raimundo do Brejo deixou saudades, tio Adilson deixou saudades; o são João deixou saudades, as fogueiras, os preparativos, as crianças correndo livres, os fogos.
Quem experimentou a cana de canela ou canelinha como foi batizada, para esquentar um pouco o frio. A expectativa da vinda de tio Gordo e Rodriguinho de São Paulo, sempre com o cardápio em mente. A teimosia de dona Adail para fazer as pamonhas e canjicas, tarefa cansativa, mas que lhe orgulhava. Só saudade da boa.
Durante esses anos, essa alegria foi cantada por Toinho Catanha, Hildo Texeira, Dida de Nan e o nosso Dedé Sanfoneiro. Amanhecer o dia era o lema. Toda a ansiedade dos preparativos, se iria dar certo ou se algo de errado aconteceria, se transformava, com os primeiros foles da sanfona, num imenso arraial de alegria.
Assim como o período de chuva no sertão, um dia o sonho da Fazenda Amarela e mais tarde o sonho da Fazenda Raimundo do Brejo, como também o São João Adilson Bezerra, acabou. O que era realidade virou lembrança, uma lembrança que marcou corações e fez momentos de alegria serem eternizados por todos que participaram. A fazenda foi vendida, restou à alegria de ter vivido, convivido com seres que marcaram nossas vidas; restaram as melhores lembranças e saudades. SÓ SAUDADE DA BOA!




3 comentários:

  1. saudade boa de ser sentida.lendo lembrei das terras do meu avo,das ferias escolares que la passei!das terras secas de custodia!saudade boa...abraço Louro.

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  2. Parabéns Gustavo, por um momento me senti naquele fantástico lugar! È SÓ SAUDADE DA BOA!

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  3. Parabéns meu caro amigo/irmão/filho, Gustavo Bezerra.

    O que senti quando li essa crônica, foi a sinceridade com a qual ela foi elaborada.

    A verdade é clara, quando você se refere ao seu Tio Adilson, ao seu avô Raimundo do Brejo,a sua mãe Adail Bezerra e a todas as pessoas as quais, direta ou indiretamente, fazem parte de sua vida.

    Você fala da Fazenda Raimundo do Brejo, assim como quem fala de algo muito amado, de algo muito querido.

    Senti a verdade, quando você nara seu tempo de criança. As brincadeiras infantis, os banhos no açude, as travessuras próprias de uma criança.

    Senti a alegria com a qual você relembra o São João Dr. Adilson.
    Você não exagera quando diz que o São João Dr. Adilson Bezerra, era o melhor São João do mundo.

    Senti a tristeza inundar seu mundo, quando se refere ao fim desse São João. São João que lhe dava tanto trabalho, mas que tanto o satisfazia.

    Quando terminei de lê essa sua crônica, meu caroa amigo, a qual tomei a liberdade de chamar de UMA CRÔNICA NORDESTINA, também tive a sensação de está sentindo saudade.
    Também tive a nítida impressão, de está sentindo SAUDADE DA BOA.

    Rodrigues Lima
    São Paulo
    21/04/2012

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